Bebês reborns são bonecas hiper-realistas que imitam com perfeição um recém-nascido / Reprodução/TV Globo
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Nos últimos anos, os bebês reborn — bonecas hiper-realistas que imitam com perfeição um recém-nascido — têm despertado debates intensos entre educadores, psicólogos e pais. Enquanto muitos os veem como objetos curiosos ou até terapêuticos, outros enxergam riscos emocionais no uso excessivo ou descontextualizado dessas bonecas.
Para compreender melhor os limites entre o pedagógico e o disfuncional, conversamos com a psicopedagoga Suelen Pinheiro Coelho, que explica como essas bonecas podem ser aliadas no desenvolvimento infantil — e quando seu uso exige atenção.
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Diário do Litoral - A que tipo de carência emocional ou trauma o apego exagerado a bebês reborn pode estar ligado?
Suelen Pinheiro - Pode estar ligado à busca imediata por apoio emocional. Muitas vezes, essa busca se manifesta como uma fuga da realidade. O bebê reborn a a ser um substituto de relações humanas que, por algum motivo, a pessoa não consegue vivenciar. Nesses casos, o objeto serve para preencher um vazio emocional, tornando-se uma extensão de dores, tristezas e frustrações não elaboradas.
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DL - Existe uma linha tênue entre hobby e substituição emocional disfuncional? Onde ela está?
Suelen - Sim. A linha está no grau de envolvimento emocional e na função que o objeto a a exercer na vida do indivíduo. É comum adultos desenvolverem hobbies — inclusive com bonecas — por interesse estético, afeto ou nostalgia. O problema aparece quando essa relação ultraa o simbólico e assume um papel afetivo central, com projeções emocionais que distorcem a realidade e dificultam vínculos reais.
DL - Como identificar quando o uso do bebê reborn é um sinal de sofrimento psíquico?
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Suelen - Quando há uma humanização do objeto que ultraa o campo da imaginação ou do afeto pontual. Se a pessoa a a interagir com a boneca como se fosse um bebê real, criando vínculos unilaterais, isso pode indicar sofrimento psíquico. A pergunta central aqui é: “O que estou tentando substituir ou evitar com esse vínculo?”
DL - É possível que o uso dessas bonecas esteja relacionado a transtornos como ansiedade, depressão ou transtornos de apego?
Suelen - Sim. O uso dos bebês reborn pode estar atrelado a quadros como ansiedade, depressão e transtornos de apego. No entanto, também podem ter função terapêutica, especialmente em contextos controlados, como no tratamento de Alzheimer ou em processos de luto. Nesses casos, são usados como objetos de transição, com acompanhamento psicológico e objetivo definido, para ajudar na elaboração de perdas ou no resgate de vínculos afetivos.
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DL - A romantização do cuidado com bonecas reborn pode reforçar estereótipos de maternidade idealizada?
Suelen - Ela pode reforçar não só estereótipos, mas também funcionar como uma espécie de fuga emocional. Em vez de olhar para dentro, para os próprios sentimentos e traumas, a pessoa se apega ao cuidado com o objeto como forma de silenciar dores. Essa romantização mascara necessidades internas que deveriam ser trabalhadas emocionalmente.
DL - Qual o impacto da mídia e das redes sociais na popularização e normalização desse tipo de comportamento?
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Suelen - É um fator preocupante. A mídia e as redes sociais muitas vezes tratam esse comportamento como moda ou tendência, sem considerar os aspectos psicológicos envolvidos. Isso pode dificultar o diagnóstico de pessoas que precisam de ajuda emocional, camuflando comportamentos disfuncionais sob o véu da estética, do consumo ou do “diferente”.
DL - Quais os benefícios reais para crianças que brincam com bonecas reborn em vez de bonecas comuns?
Suelen - Do ponto de vista psicopedagógico, o tipo de boneca é secundário. O importante é o uso simbólico que a criança faz do brinquedo. As bonecas reborn, por seu realismo, podem estimular ainda mais o senso de cuidado, responsabilidade e empatia. Elas ampliam o faz de conta e contribuem para o desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças, desde que inseridas de forma saudável no universo lúdico.
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DL - O hiper-realismo pode limitar o imaginário infantil ou potencializá-lo?
Suelen - Potencializa. O brinquedo é, por excelência, um estímulo para o desenvolvimento da criatividade, da sensibilidade e das interações simbólicas. O hiper-realismo não limita o imaginário, mas sim expande possibilidades de representação do mundo e de experiências sociais.
DL - Pode haver prejuízos ao desenvolvimento se a criança for exposta precocemente a uma “maternidade simbólica” muito realista?
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Suelen - Não. A maternidade simbólica faz parte do universo lúdico e é uma das formas pelas quais a criança elabora o mundo. Essa vivência, mesmo com bonecas hiper-realistas, não causa prejuízo, desde que não seja imposta ou forçada.
DL - Como os bebês reborn impactam as brincadeiras de faz de conta e o desenvolvimento de habilidades sociais e cognitivas?
Suelen - Eles ampliam o repertório simbólico da criança. Em brincadeiras de faz de conta, as crianças praticam empatia, resolução de problemas, linguagem e construção de vínculos. Os bebês reborn, por serem mais detalhados, permitem simulações mais ricas e significativas de experiências sociais e afetivas.
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DL - Até que ponto é saudável “humanizar” objetos inanimados? Onde está o limite entre empatia e alienação?
Suelen - É saudável enquanto estiver no campo do simbólico e da imaginação. O problema começa quando essa humanização a a substituir relações humanas reais. O brinquedo precisa ser entendido como tal, mesmo quando inspira afeto. O limite está na funcionalidade: objetos não devem ocupar o lugar de pessoas na construção emocional e afetiva de alguém.
DL - Estamos perdendo a conexão com relações humanas reais ao buscar conforto emocional em substitutos simbólicos?
Suelen - Em alguns casos, sim. A dificuldade de se vulnerabilizar e criar vínculos verdadeiros pode levar à busca por objetos que oferecem “segurança emocional” sem risco. No entanto, essa escolha pode aumentar a sensação de solidão, pois impede o desenvolvimento de relações reais, onde o afeto é recíproco, imprevisível e genuíno.
Os bebês reborn são mais do que simples brinquedos: podem ser ferramentas poderosas de aprendizado, expressão e até mesmo cura. Mas, como toda ferramenta emocional, exigem atenção ao contexto, à intenção e ao uso. Na infância, podem enriquecer o imaginário. Na vida adulta, podem ajudar — ou mascarar — dores profundas. O essencial é olhar com cuidado, empatia e discernimento para o que está por trás de cada relação construída com eles.